CNPD dificulta acesso a dados do processo clínico

CNPD dificulta acesso a dados do processo clínico

CNPD dificulta acesso de auditores a dados do processo clínico

Esta postura não tem precedente em qualquer outro país europeu e põe em causa a realização de Ensaios Clínicos em Portugal.

Auditorias em Ensaios Clínicos. Pela defesa das Boas Práticas Clínicas em Portugal.

A realização de um Ensaio Clínico engloba múltiplas facetas, nomeadamente a implementação de mecanismos de garantia e controlo de qualidade que visam assegurar os direitos e bem-estar dos participantes, o cumprimento do protocolo do estudo e a consequente geração de conclusões sólidas e robustas. Estes mecanismos incluem a realização de monitorizações e auditorias pelo promotor aos centros de investigação, assim como inspeções pelas autoridades, assegurando-se desta forma a verificação independente e sistemática das atividades e documentos relativos ao ensaio e o cumprimento das exigências regulamentares aplicáveis.

A necessidade de auditorias para a condução de Ensaios Clínicos está bem patente nas ICH-GCP (Boas Práticas Clínicas), o padrão internacional de qualidade ética e científica para o desenho, condução, registo e relato de ensaios clínicos. A legislação europeia sobre Ensaios Clínicos também o reflete, aplicando as disposições das Boas Práticas Clínicas a todos os Estados-Membros (Diretiva 2001/20/CE e o novo Regulamento 536/2014 que a revogará a partir de 2016).

A realização de uma auditoria no âmbito das Boas Práticas Clínicas pressupõe o acesso direto aos dados do processo clínico do doente e aos documentos fonte. Este acesso tem de ser autorizado pelo participante do ensaio através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, ficando o auditor obrigado ao dever de confidencialidade relativos à identidade e dados da privacidade dos participantes.

Recentemente, a Comissão Nacional de Proteção de Dados tem emitido sucessivos pareceres no sentido de impedir o acesso dos auditores aos dados do processo clínico dos participantes. Esta posição é sustentada na interpretação ad litteram da Lei Portuguesa de Investigação Clínica (Lei n.º 21/2014) que, apesar de presumidamente transpor a Diretiva 2001/20/CE e as disposições das Boas Práticas Clínicas, é omissa quanto à figura da auditoria. Este entendimento não tem precedente em qualquer outro país europeu e põe em causa a realização de Ensaios Clínicos em Portugal. Sendo vedado o exercício de auditoria previsto nas Boas Práticas Clínicas (que em si pressupõe o acesso aos dados), impossibilita-se a realização de novos Ensaios Clínicos, obrigados necessariamente ao cumprimento de tais normas.

Esta matéria suscita muita apreensão à Associação Portuguesa de Medicina Farmacêutica (AMPIF). O grande esforço desenvolvido nos últimos anos por investigadores/instituições de saúde, bem como das próprias autoridades de saúde (Ministério da Saúde e INFARMED), no sentido de aumentar o número de ensaios clínicos realizados no nosso país, incorre no risco de se desmoronar. Mantendo-se esta posição da CNPD, a atividade de investigação clínica em Portugal fica gravemente comprometida, com consequente perda de todos os benefícios que representa para os doentes, as instituições e profissionais de saúde, e em geral toda a comunidade – melhoria dos cuidados assistenciais, o acesso precoce a medicamentos inovadores, a melhoria da qualidade de vida das populações, a promoção de metodologias de investigação, bem como a sua importância económica – o que é incompreensível no paradigma da sociedade atual.

A AMPIF está empenhada na procura de uma solução urgente de consenso entre as entidades responsáveis pela aprovação de Ensaios Clínicos em Portugal (INFARMED, CEIC e CNPD). Manteremos uma linha de diálogo aberto com todos os stakeholders, defendendo uma solução que assegure todos os direitos dos participantes em ensaios clínicos à luz dos padrões internacionais de qualidade ética e científica, e preserve a atividade de investigação clínica no nosso país.